Em seu artigo “Como Penso sobre a Dívida”, publicado em 30 de abril de 2024, Morgan Housel discute o impacto da dívida na longevidade das empresas. Esse texto, citado por Howard Marks em seu memorando "O Impacto da Dívida", de 15 de maio de 2024, é o ponto de partida para uma análise mais profunda sobre risco e a sobrevivência de negócios ao longo dos séculos.
Housel destaca um dado impressionante: no Japão, existem 140 empresas que operam há mais de 500 anos, com algumas delas superando os mil anos de existência. Esses negócios extraordinariamente longevos, chamados de shinise, passaram por guerras, desastres naturais, crises econômicas e inúmeras transformações culturais e tecnológicas, mas continuam a prosperar. Como elas conseguiram isso? A resposta, segundo estudos, reside em uma característica comum entre essas empresas: a ausência de dívida.
Entre os exemplos mais notáveis estão a Kongo Gumi, fundada em 578 d.C., e a Nishiyama Onsen Keiunkan, o hotel mais antigo do mundo. Ambas prosperaram ao longo de séculos sem depender de empréstimos para financiar suas operações. Em vez disso, adotaram uma abordagem conservadora, focada no crescimento orgânico e na manutenção de reservas de caixa. A prudência financeira foi essencial para garantir que essas empresas pudessem enfrentar adversidades sem comprometer sua estabilidade a longo prazo.
A lógica é simples: menos dívida significa menos risco. Sem compromissos com credores, as shinise têm maior flexibilidade para atravessar crises econômicas, períodos de baixa demanda e flutuações do mercado. Essa estratégia conservadora, voltada para o autofinanciamento e a resiliência financeira, permitiu que essas empresas permanecessem relevantes e saudáveis, mesmo em um ambiente de volatilidade constante.
Esse cenário contrasta com a situação fiscal do Brasil. Ao longo das últimas décadas, o país tem acumulado uma dívida pública crescente, atualmente superior a 70% do PIB, de acordo com dados recentes do Tesouro Nacional. O endividamento brasileiro impõe pressões significativas sobre o orçamento público, elevando os custos de financiamento, limitando a capacidade de investimento em áreas essenciais, como infraestrutura, saúde e educação, e tornando o país mais vulnerável a crises internas e globais. O aumento da dívida pública não apenas compromete o crescimento econômico, mas também põe em risco a sustentabilidade do país. Com uma parte significativa do orçamento federal destinada ao pagamento de juros, sobra pouco espaço para investimentos que possam impulsionar o desenvolvimento econômico a longo prazo.
A lição das shinise é clara: a dívida não deve ser um recurso permanente. Tanto para empresas quanto para governos, o endividamento excessivo reduz a flexibilidade e a capacidade de enfrentar crises. Uma gestão conservadora, voltada para o equilíbrio fiscal, é o caminho para garantir a longevidade, seja nos negócios ou nas finanças públicas.
O Brasil, no entanto, parece seguir um caminho inverso ao das shinise, aumentando consistentemente seu nível de endividamento e, consequentemente, sacrificando o seu futuro. Mas como o mercado financeiro precifica esse risco?
A política fiscal brasileira tem impacto direto sobre a taxa básica de juros, a Selic. Quando o governo apresenta déficits elevados e a dívida pública cresce de forma descontrolada, o mercado antecipa um aumento na taxa de juros, como forma de compensar o risco inflacionário e atrair investidores. Com a percepção de que a política fiscal está insustentável, as taxas de juros de longo prazo sobem, encarecendo o financiamento governamental e pressionando ainda mais as contas públicas.
O Credit Default Swap (CDS), que funciona como um seguro contra o calote da dívida soberana, é outro indicador usado para precificar o risco fiscal de um país. Quando o mercado detecta sinais de descontrole fiscal, como um aumento no déficit público ou dificuldade na implementação de reformas, o CDS sobe, refletindo um maior risco de inadimplência.
A deterioração fiscal também impacta diretamente a taxa de câmbio. Quando o mercado percebe que o Brasil está em uma trajetória insustentável de dívida, há uma saída de capitais, o que resulta na depreciação do real. Isso eleva a inflação interna, pressiona o Banco Central a aumentar os juros (para conter a alta do dólar) e perpetua um ciclo de instabilidade econômica.
O Brasil enfrenta uma escolha crítica: seguir o exemplo das shinise, priorizando o equilíbrio fiscal e a resiliência financeira, ou continuar acumulando dívidas que comprometem sua capacidade de crescimento a longo prazo. O mercado financeiro já está precificando o risco dessa escolha, e os impactos serão sentidos tanto no custo de financiamento do governo quanto na confiança dos investidores.
Referências:
How I Think About Debt · Collab Fund
The Impact of Debt (oaktreecapital.com)