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jul / 24

Colcha de Retalhos

por Daniel Perdomo

O texto deste mês será composto de vários temas, não necessariamente harmônicos entre si, mas que juntos demonstrarão onde estamos dentro do cenário econômico. 

E saber onde estamos é muito útil para definirmos aonde queremos chegar.



Política fiscal do Brasil

A política fiscal refere-se ao uso que o governo faz de seus instrumentos de arrecadação e dispêndios para influenciar a economia, através da tributação e dos gastos públicos. No contexto brasileiro, é amplamente reconhecido que o país gasta mais do que arrecada, o que demanda a implementação de controles rigorosos para evitar que a trajetória da dívida pública se torne insustentável.

Até o início do atual governo, o Brasil contava com o Teto de Gastos como principal instrumento de moderação fiscal. Estabelecido em 2016 pela Emenda Constitucional 95, o teto de gastos restringia o aumento das despesas governamentais à taxa de inflação do ano anterior, com o objetivo de controlar a dívida pública. Esta norma impunha um limite rigoroso para os gastos públicos por um período de 20 anos, buscando garantir a sustentabilidade fiscal a longo prazo.

Entretanto, no início da administração atual, o teto de gastos foi substituído pelo arcabouço fiscal. Este novo conjunto de regras e mecanismos foi projetado para assegurar a sustentabilidade das finanças públicas de maneira mais abrangente.

O arcabouço fiscal abrange políticas de arrecadação de receitas, distribuição de despesas e gestão da dívida, visando promover a disciplina fiscal, transparência e estabilidade macroeconômica e, ao contrário do teto de gastos, é caracterizado por sua flexibilidade, permitindo ajustes conforme as condições econômicas variam. Enquanto o teto de gastos era uma regra específica e rígida, o arcabouço fiscal constitui um conjunto adaptável de políticas para a administração fiscal, proporcionando maior capacidade de resposta às mudanças econômicas e financeiras. 

O que está acontecendo?

Conforme as normas vinculativas vigentes, os gastos obrigatórios do governo aumentam mais rapidamente do que o limite de despesas estabelecido pelo arcabouço fiscal, reduzindo as possibilidades de dispêndio discricionário do governo. Nesse sentido, com o atual patamar de gastos, o arcabouço fiscal (se cumprido) acabará por limitar o funcionamento da administração pública e, diante desse risco, a decisão possivelmente será enfraquecer ou revogar a nova regra fiscal, que já é mais flexível do que o teto de gastos. Esta característica tem causado tensão nos mercados, refletindo na recente alta do dólar e na elevação da curva de juros futuros. Diante de um cenário de incapacidade do governo atual em cumprir a regra fiscal que ele próprio criou, o mercado financeiro e produtivo exigem medidas de corte de despesas para equilíbrio da nossa dívida pública.



Dólar e Curva de Juros

As preocupações com a política fiscal no Brasil têm sustentado um aumento no risco percebido pelos investidores, o que tem causado uma valorização do dólar frente ao real. Essa dinâmica resulta em expectativas de inflação mais elevadas, refletidas na abertura das curvas de juros. A abertura das curvas de juros impacta diretamente os investimentos, inclusive em renda fixa. Isso ocorre porque as taxas de juros estão inversamente relacionadas aos preços dos ativos: uma queda nas taxas (fechamento da curva) valoriza os títulos, enquanto aumentos nas taxas de juros (abertura da curva) levam a uma queda nos preços dos títulos. Portanto, a instabilidade fiscal no Brasil não apenas pressiona o câmbio, mas também influencia diretamente o mercado de renda fixa, afetando o retorno esperado e as estratégias de investimentos de diferentes entes do mercado.

 



Retórica do Governo x Banco Central

Agentes públicos abriram uma trincheira contra os membros do Banco Central, citando a inércia do Bacen em relação ao que denominam como ataque contra a moeda brasileira. Tecnicamente, a autoridade monetária brasileira teria como resolver ou interferir contra a consistente valorização do dólar contra o real?

O sistema de câmbio flexível permite intervenções ocasionais no mercado cambial, contudo, não vejo as condições necessárias que validariam uma forte participação do Banco Central a favor do real e contra o dólar. Não temos baixa liquidez, fator que acarretaria movimentos de preços bruscos e não representativos da oferta e demanda reais.

Além disso, não temos movimentos descontínuos nos preços do câmbio, que dificultariam a previsibilidade e gestão de riscos, nem distorções de mercado ocasionadas pelo oligópolio financeiro (manipulação cambial).

Iniciei o texto dissertando sobre a política fiscal e este é cerne da desvalorização do real ante o dólar. O dólar e a curva de juros estão refletindo a piora dos fundamentos econômicos brasileiros devido ao descontrole dos gastos. Ainda que seja possível o Bacen interferir no câmbio (vendendo dólares), este ato deverá ser pontual corrigindo algum tipo de distorção de curto prazo. Como a questão é mais ampla e, pode se tornar estrutural caso o Executivo não coloque freios nas despesas, vender dólares de forma consistente e por longo período só prejudicaria o país já que teríamos redução das nossas reservas internacionais que, nos últimos anos, tem funcionado como um escudo contra choques externos e até em relação aos nossos problemas internos.

Embora, em algum momento, o banco central possa identificar a necessidade de intervir no mercado cambial, essa intervenção deverá ser ocasional e com o objetivo de corrigir distorções. Sem resolver o problema fiscal, ela não terá capacidade de alterar a tendência do mercado.

Assim, em resumo, o principal ponto da incerteza que paira sobre o Brasil é a condução e majoração dos gastos públicos e não a atuação do Banco Central.



Só a política fiscal está pressionando o dólar? Não!

Estamos com um diferencial de Taxa de Juros, entre Brasil e EUA, historicamente reduzido. Este fator faz com que os ativos em dólar se tornem mais atrativos para investidores globais, aumentando a demanda pela moeda americana.

Após o último debate eleitoral, a probabilidade de uma vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais americanas aumentou (não significa que irá vencer). Sua agenda inclui temas que têm potencial para gerar inflação nos EUA, o que pode adiar a queda das taxas de juros básicas norte-americanas: imigração e protecionismo.

Uma das razões pelas quais a trajetória de desinflação tem sido favorável até agora, mesmo com o mercado de trabalho estável nos EUA, é o aumento significativo na oferta de trabalho, especialmente devido à imigração líquida no país. Restringir o fluxo dessa oferta poderia reduzir o crescimento econômico, ao mesmo tempo em que aumentaria as pressões inflacionárias e salariais.

O protecionismo, através da imposição de tarifas pesadas sobre a China, também teria um impacto inflacionário significativo. Isso se deve ao aumento substancial dos preços de importação, o que pode levar a um aumento nos custos para os consumidores e empresas que dependem de produtos chineses. Além disso, este fator pode afetar negativamente o volume de importações e exportações em todo o mundo, gerando incertezas econômicas e potenciais quedas na atividade comercial global.



E para termos valorização dos investimentos e um melhor ambiente para negócios no Brasil?

Precisamos de alguns gatilhos, já no curto prazo:

(i)  Início de corte de juros nos EUA;
(ii) Resolução, ainda que parcial, das questões
fiscais, respeitando o arcabouço definido;

 



Sobre os portfólios

Seguiremos em linha com o texto do mês de maio:

Renda fixa pós fixada: possível alocar com boa margem de segurança em papéis de vencimentos de até 2 anos e rentabilidade superior à da nossa atual Selic.

Renda fixa inflação: com a abertura da curva de juros, os papéis IPCA, como as NTN-Bs, estão ainda mais atrativos. Predileção pelos vencimentos mais curtos, com duration média de 5 anos.

Renda fixa prefixada: possível alocar com boa margem de segurança em papéis de vencimentos de até 2 anos e rentabilidade superior (em torno de 30%) à da nossa atual Selic.

Multimercados: estão com retornos abaixo da média histórica há mais de 3 anos sendo que grande parte deles, através de estudo que fizemos, só entregam resultados em momentos de movimentações de curvas de juros. Nesse sentido, considerando o atual patamar da renda fixa, não vejo como atrativas alocações adicionais nesta classe sem que seja feita uma análise muito criteriosa das casas e suas estratégias de geração de valor.

Fundos imobiliários: devido ao momento do ciclo de juros brasileiro é possível investir em alguns papéis desta classe com boa margem de segurança.

Ações: somente com margem de segurança, para que não fiquemos tão dependentes do cenário macro brasileiro e global que, por natureza, é incerto.

Para informações mais detalhadas sobre o cenário e produtos, peço que entre em contato com o seu assessor de confiança.

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